segunda-feira, 24 de maio de 2010

Restrição Indireta

Burocracia, a autoridade da escrivaninha. Praticamente uma arte, seja criá-la ou burlá-la. A arte de impor regras. E como toda arte, dispõe de técnicas: fórmulas conhecidas de se alcançar determinados efeitos, no caso, efeitos na estética do controle das relações sociais e econômicas; se é que há uma estética disso. Dentre essas técnicas, existe uma que chamo de "Restrição Indireta".

Entendamos "regra" aqui, como uma classificação binária (ou é positiva ou é negativa) de algum atributo do objeto da regra (o que deve obedecê-la) segundo critérios arbitrários do sujeito da regra (aquele que a escreve), sendo essa classificação, escolha de atributos a serem observados e critérios a serem cumpridos estabelecidos de forma a garantir uma determinada finalidade. Simples, não?

A restrição indireta é quando o atributo mensurado traz indiretamente a informação de cumprimento dos critérios, ou quando os próprios critérios não estão diretamente vinculados à finalidade mor.

Vamos aos exemplos. Muitos locadores não alugam seu imóvel para grupos de 4 ou mais jovens. Essa é a regra, mas o que eles querem evitar é algazarra de madrugada ou outra forma de "perturbar a ordem pública" do prédio. Essa é a finalidade da regra. Mesmo que se faça uma estatística para correlacionar essas duas variáveis (número de moradores da casa e número de reclamações de vizinhos) e condiza com a hipótese de que um grupo numeroso de jovens é baderneiro, mesmo assim cada caso é único. Impedir a locação de um imóvel a um grupo simplesmente por causa do número de integrantes é uma restrição indireta.

O que deveria ser feito, não só nesse exemplo, é procurar sempre fazer medidas diretas do que se deseja saber, ao invés de supor um determinado relacionamento entre as variáveis. De volta ao exemplo, seria entrevistar os potenciais locatários ou pedir, se disponível, uma carta de recomendação de um antigo locador.

Postei anteriormente neste blog a reprodulção de uma carta solicitando que a Cachaça fosse liberada na festa de formatura da minha turma (sim, consegui). Como lá expus, o argumento dado para proibição de certas bebidas (regra) era o de tentar manter um certo nível de refinamento da festa (finalidade). Acontece que não importa de que uma bebida é destilada ou fermentada, sempre existem umas de qualidade superior e outras de qualidade inferior, então, mais uma vez, trata-se de uma restrição indireta. O ideal seria restringir certas marcas notoriamente inferiores a esse suposto requinte da festa.

Um último exemplo de interesse mais geral. Eleições. A Constituição Federal estabelece que a idade mínima para alguém se eleger Presidente no Brasil é de 35 anos. Imagino que essa regra da idade mínima (deste e dos demais cargos políticos) seja para inibir que o país fique nas mãos de pessoas sem uma larga experiência, se não de vida pública, pelo menos de vida privada. Mas, as pessoas não amadurecem no mesmo ritmo. Existem pessoas bem precoces, e outras que envelhecem sem nunca ter saído da infância psicologicamente. Ou seja, é uma restrição indireta.

Se se esperam certas atitudes dos nossos políticos, assim como certos conhecimentos e habilidades, existem formas bem conhecidas no mundo corporativo de serem avaliados. Se isso atinge a democracia já é outra discussão. Mas eu acho que ou tira essa regra da idade mínima ou mede direito a experiência do cidadão.