quarta-feira, 23 de março de 2016

Assimetria Afetiva

"Dos moi pou sto kai kino tayn gayn" - Arquimedes
- Give the place to stand, and I shall move the Earth

Tentarei ser o mais focado possível aqui, tem uma série de princípios por trás desta teoria e implicações diversas, mas vou tentar apresentar só o miolo da coisa mesmo.

Este ensaio entra na linha de pensamento de que a busca pela igualdade é uma simplificação útil por um tempo, mas com as ferramentas adequadas, podemos descobrir formas melhores de organizar a sociedade, tornando a igualdade obsoleta.

Nossa cultura, e mesmo nosso vocabulário, são orientados para classificar as relações afetivas em patamares discretos e sempre de forma recíproca. "É namoro ou amizade?", "Solteiro, casado ou tico-tico?", quando adiciona alguém como amigo no facebook, o outro precisa aceitar. Pensar assim é extremamente restritivo e em muitos casos cria frustrações de expectativa. Em geral, relações assimétricas são vistas como doentias, ou abusivas.

O que entendo por afeto? É o valor subjetivo que se dá à vida de outra pessoa. Assimetria afetiva significa simplesmente que o valor que o indivíduo A atribui a B é diferente do que B atribui a A. E isso é natural, e é bom, se enxergado no enquadramento certo.

O princípio da alavanca, na física, diz que, com o arranjo mecânico adequado, é possível erguer objetos muito mais pesados do que a força empregada.

Imagina uma gangorra, com a diferença que o ponto de apoio não está no centro da tábua. A pessoa no braço curto da tábua precisa ser bem mais pesada do que a do braço longo, para que haja equilíbrio.

(retirado da Wikipedia)

Nessa imagem, a gente tem um peso de 100 kg de um lado com braço de 1 unidade e um peso de 5 kg com braço de 20 unidades. 100 * 1 = 5 * 20. Verificada a igualdade, estabelece-se o equilíbrio.

Assim como na mecânica clássica, postulo que as relações afetivas também podem se beneficiar do princípio da alavanca.

Pra facilitar, vamos chamar essas pessoas de A e B (os famosos Alice e Bob).

O afeto que A tem por B é o peso de B; o afeto que B tem por A é o peso de A (pra simplificar, vamos desconsiderar o efeito da autoestima). Para qualquer configuração de peso relativo entre os dois, é possível encontrar um ponto de equilíbrio!

O desafio é conceber um arcabouço social que suporte essa assimetria, ou seja, construir a tábua e ponto de apoio metafóricos. Tem alguns exemplos na nossa sociedade, que não são considerados exatamente relações afetivas, mas no final das contas são sim. Qualquer interação humana é inevitavelmente afetiva. Julgamos o valor de outrem automaticamente, desde o cara que lhe vende um cachorro-quente até sua mãe.

Entre professor e alunos. Professor não tem condição de dedicar a mesma consideração para todos os alunos, mas pro aluno é fácil ter o professor como inspiração, como exemplo a ser seguido. Mesma coisa entre um padre e sua paróquia, um ídolo e seus fãs. Nesses casos, a assimetria afetiva surge naturalmente por causa da assimetria numérica de indivíduos em cada papel.

Entre um fornecedor e o cliente. Fornecedor quer preservar seu contrato, ou realizar a venda, por isso irá tratar o cliente como rei. Já o cliente, qualquer pisada na bola do fornecedor, ele irá trocá-lo por outro sem pestanejar. É assimétrico, e funciona.

E por que não, entre dois conhecidos quaisquer? A mensagem que eu quero passar se resume a isto: não é necessário um rótulo de "amigo" ou "colega" ou o que quer que seja, basta as duas pessoas se comunicarem, e de comum acordo, descobrirem seu ponto de equilíbrio afetivo.

Descoberto o ponto, pronto é aquele lá. Reciprocidade não implica em igualdade de esforço social. Claro, as coisas são dinâmicas, precisa conversar sempre pra atualizar o ponto, mas é isso.

Só mais um recadinho. Pegando o gancho aí da comunicação, e lembrando do poder amplificador da alavanca.

Se tivesse um jeito fácil de saber, ou de medir, o afeto que as pessoas em sua volta tem por você, e que um simples "oi" ou um mero sorriso pode impactar no resto do dia de alguém que tem uma estima muito alta por você, este mundo seria um lugar bem melhor.

Não estou falando apenas de paixões platônicas. Aquele morador de rua que vê milhares de pessoas passarem por ele todo dia, sem, no entanto, ter sua presença reconhecida por ninguém se beneficiaria imensamente de um simples aceno de mão.

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